Caça que 'domina' os céus da América do Sul: o que faz o Super Tucano do Brasil ser tão atrativo?

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Na última semana, a Embraer anunciou a venda de seis aeronaves A-29 Super Tucano para a Força Aérea do Uruguai, um acordo que prevê a aquisição posterior de outros cinco aviões. O país se junta à lista de outros cinco da América do Sul que usam o equipamento. Em todo o mundo, são 18 forças aéreas que contam com o avião brasileiro.


Lucas Morais | Sputnik

Da ave que só existe na América Latina e que se destaca pela força com seus bicos multicoloridos, o nome que serviu de inspiração para batizar um dos produtos militares de maior sucesso desenvolvido no Brasil: o caça A-29 Super Tucano. Com o primeiro voo da aeronave, ainda no fim dos anos 1990, o modelo produzido pela Embraer se modernizou ao longo do tempo e passou a conquistar ares sul-americanos.

A-29 Super Tucano © Sgt Johnson Barros/Força Aérea Brasileira

Em mais um acordo fechado na última semana, a companhia brasileira anunciou a venda de seis unidades do caça para a Força Aérea do Uruguai, com entregas previstas a partir de 2025 e o compromisso de adquirir outras cinco aeronaves futuramente.

Também estão previstas a inclusão de equipamentos de missão, simulador de voo e pacote logístico integrado. Diante da encomenda, o país se junta a outras cinco nações da América do Sul que também usam o avião fabricado pela Embraer: Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Paraguai. A lista deveria contemplar, ainda, a Venezuela, caso não ocorresse a intervenção dos Estados Unidos em 2007, que praticamente obrigou o país a suspender a venda sob pena de sofrer embargos industriais.

Para além dos céus da América do Sul, o caça brasileiro também está presente nos quadros das Forças Armadas de países de Ásia, África, Oriente Médio e América do Norte, como Afeganistão, Angola, Burkina Faso, Angola, República Dominicana, Filipinas, Indonésia, Líbano, Mali, Mauritânia, Nigéria e Estados Unidos. Mas o que faz o Super Tucano ser um sucesso brasileiro mundo afora?

O aviador Fernando De Borthole explica à Sputnik Brasil que a resposta está, em especial, na versatilidade da aeronave. Outro fator que deixa o Super Tucano ainda mais competitivo é o custo menor de aquisição.

"É um avião multimissão, e isso acaba chamando a atenção de várias forças armadas. Pode ser usado para treinamento de pilotos, como acontece nos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, é usado como uma aeronave de ataque, patrulha e interceptação. E também se comparar com outros caças, tem um custo-benefício muito bom", pontua. Isso, segundo o especialista, ocorre por ser um caça turboélice, que conta com custo operacional mais baixo quando comparado a um avião a jato.

"Acaba atraindo a atenção de países que não têm uma infraestrutura muito grande, porque ele tem bom desempenho em locais mais hostis ou com pistas não preparadas, coisa que os jatos não possuem."

O aviador lembra também que o Super Tucano possui alta confiabilidade e já recebe modernizações para incorporar tecnologias de caças de quinta geração. A Embraer, inclusive, oferece suporte de treinamento para as forças militares que adquirem o caça, acrescenta De Borthole.

"Então isso faz dele um avião muito requisitado para diversos fins. E tem uma questão interessante na parte de vigilância e interceptação de aeronaves, principalmente em países como o Brasil, que possuem uma fronteira muito grande e precisam lidar com o tráfico de drogas. O Super Tucano tem a versatilidade de voar a uma velocidade baixa, próxima de um avião de pequeno porte, como o monomotor normalmente usado pelos criminosos. Ao mesmo tempo, também consegue se deslocar rapidamente", diz.

Para efeitos de comparação, o especialista cita os novos caças Gripen que estão sendo adquiridos pela Força Aérea Brasileira (FAB) que, por serem muito rápidos, não conseguem interceptar um avião comum. "Às vezes, as pessoas acabam não identificando o Super Tucano como um caça, por ter essa característica de usar turboélice. Obviamente existem outros aviões desse tipo produzidos no mundo, como o norte-americano AT-6 Wolverine, mas são poucos", resume.

Qual o preço de um avião Super Tucano?

No contrato firmado com o Uruguai, as seis unidades serão vendidas por US$ 96 milhões (R$ 541,15 milhões). Conforme a Embraer, o Super Tucano é considerado líder mundial em caças de sua categoria e, desde o início da produção brasileira, já foram entregues mais de 260 aeronaves, com 570 mil horas de voo e 60 mil horas de combate. Ao todo, está presente em 18 forças aéreas mundo afora.

"Ter esse interesse de outros países é fundamental para que a empresa continue, porque só o comércio local brasileiro não consegue sustentar uma indústria aeronáutica tão forte quanto a Embraer", destaca De Borthole.

Já o professor e pesquisador do Núcleo de Estudos de Defesa, Inovação, Capacitação e Competitividade Industrial da Universidade Federal Fluminense (UFF) Eduardo Brick enfatiza à Sputnik Brasil que, por não ser um caça utilizado em conflitos de grande intensidade, a exemplo da guerra promovida por Israel na Faixa de Gaza, o Super Tucano não sofre "tanta oposição dos países que são fornecedores dos componentes" usados na fabricação. Com isso, não sofre retaliações, a exemplo do que ocorre com outras nações.

"Isso é dos Estados Unidos em particular. Quando são usados componentes que eles consideram que afetam a segurança do país, simplesmente não deixam que você compre. Houve o caso da Venezuela que os norte-americanos não aprovaram, por exemplo […]. Esse mercado de indústrias de defesa depende muito de questões geopolíticas. O fato de ele ser um produto testado e já usado pela Força Aérea Brasileira e em vários países certamente é um ponto positivo a favor da Embraer, que é uma empresa bem-sucedida. Isso vale para o Super Tucano e vale para o KC-390 também, que aos poucos vem ganhando mercado", declara.

Brasil é 100% dependente de tecnologia militar estrangeira?

O professor da UFF explica que o Brasil ainda não possui capacidade de produzir a maior parte dos componentes utilizados pela Embraer na fabricação do Super Tucano. Segundo Brick, a empresa brasileira é uma integradora de sistemas. Porém, isso faz com que a companhia não esteja imune a um possível cerceamento tecnológico dos países que desenvolvem e controlam esses produtos.

"Só permitem o uso aos países que estejam dentro da esfera deles, principalmente da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] ou dos Estados Unidos. E só deixam vender [o avião final] para um comprador que atenda aos interesses deles. Então tem toda essa questão de relações internacionais", argumenta.

Desindustrialização do Brasil e impactos no setor de defesa

Entre a Era Vargas e o início da redemocratização do país, o investimento na indústria fez com que o setor chegasse a responder por 27% do produto interno bruto (PIB), em 1985. Atualmente não passa de 7%, o que demonstra, segundo Brick, um longo processo de desindustrialização no Brasil. Isso também afetou o setor de defesa, que exige recursos estatais e amplo planejamento.

"O Brasil praticamente abdicou de ter uma política industrial nessas últimas décadas. Não se produz aqui esses componentes. Na parte de tecnologia da informação, qualquer item para fazer um computador vai ser importado […]. O Brasil depende quase 100% da importação desses produtos e qualquer empresa que tenta produzir algo precisa entender isso, sobreviver a esse ambiente. E quando é um produto de defesa, é um desafio maior. A Embraer entendeu muito bem isso e soube jogar a regra do jogo", comenta sobre o sucesso do Super Tucano.

Para o especialista, mudar esse panorama exige muito e "não acontece de uma hora para outra". Como exemplo, Brick cita países do BRICS como Índia, China e Rússia, que há décadas partiram para esse caminho de conquistar a própria autonomia tecnológica.

"São países grandes, e o Brasil é um país grande que age como um país pequeno […]. Partiu-se para uma visão puramente liberal, de que o Brasil não tem que proteger nada, que é o mercado que vai decidir. Isso é um erro grosseiro quando se trata de questões estratégicas", defende.

No caso da indústria de defesa, o pesquisador lembra que não há finalidade econômica, mas sim uma importância estratégica para a soberania de um país.

"O país que depende de outros para isso está cometendo um erro grosseiro. Se ele tiver uma base industrial própria, pode usar a exportação com dois motivos principais. Primeiro, ajudar a sustentar a sua base industrial própria. Então se você está importando de alguém, você está destruindo a sua base industrial, você está destruindo a sua defesa, basicamente. Esse é o primeiro motivo. O segundo motivo é de influência internacional. Se você fornece armas para o país, você tem uma influência sobre aquele país, principalmente quando esse país está enfrentando um conflito. Mas essa não é a finalidade."

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