Capacetes azuis no leste da República Democrática do Congo (RDC): Pouco amados, mas ainda necessários

A missão de manutenção da paz da ONU no leste da RDC deveria terminar rapidamente. No entanto, a ofensiva do M23 no Kivu Norte levou a uma reflexão. Será que a missão de manutenção da paz da ONU vai ser prolongada?


António Cascais | Deutsch Welle

A missão dos capacetes azuis no leste da República Democrática do Congo (RDC) não é certamente uma história de sucesso, segundo o Presidente Félix Tshisekedi: as forças de manutenção da paz da MONUSCO são impopulares entre a população. Desde que assumiu a Presidência em 2019, Tshisekedi apelou repetidamente às Nações Unidas para que se preparassem para a retirada gradual dos capacetes azuis do seu país.

Capacetes azuis no leste da RDC: Pouco amados, mas ainda necessários © Arlette Bashizi/REUTERS

A retirada é, na verdade, um negócio fechado: os capacetes azuis já se retiraram da província de Kivu do Sul em junho de 2024. As províncias do Kivu do Norte e de Ituri deveriam ser as próximas, este ano.

No entanto, a ofensiva dos rebeldes do M23 no Kivu do Norte, que culminou com a tomada da metrópole de Goma na semana passada, levou obviamente o Governo congolês a repensar a situação.

Em entrevista à DW no final de 2024, Thérèse Kayikwamba Wagner, Ministra dos Negócios Estrangeiros da República Democrática do Congo, em francês, traçou o cenário na altura:

"A retirada dos capacetes azuis deve ser feita de forma responsável, deve ser uma retirada segura e deve ser efetuada com prudência", declarou.

Na altura desta entrevista, os rebeldes do M23 já estavam a avançar com a sua ofensiva no leste do país - com o apoio militar do Ruanda.

"Não queremos que os riscos e os problemas de segurança que existirão cada vez mais no Kivu do Norte sejam exacerbados por uma retirada apressada das tropas da MONUSCO", acrescentou Kayikwamba.

ONU busca estabilização

O Conselho de Segurança da ONU abordou a questão numa sessão especial em Nova Iorque, na última terça-feira (28.01). A chefe-adjunta da MONUSCO, Vivian van de Perre, apelou à comunidade internacional para que atue.

A situação humanitária é catastrófica, o sofrimento inimaginável. Há uma necessidade urgente de "ação internacional coordenada". Embora uma extensão do mandato da MONUSCO não esteja diretamente em discussão, uma coisa é certa: a comunidade internacional não pode simplesmente retirar-se do Kivu do Norte e abandonar a população.

"Os soldados da MONUSCO estão a ajudar-nos a obter melhores informações sobre os movimentos das tropas ruandesas na região", sublinhou a ministra dos Negócios Estrangeiros congolesa em dezembro. Os relatórios da MONUSCO fornecem aos órgãos da ONU informações independentes sobre o que está a acontecer nas zonas de conflito. "Isto é extremamente importante: ter a MONUSCO como testemunha e assim levar a comunidade internacional a assumir responsabilidade". Por outras palavras, tendo em conta a ofensiva dos rebeldes do M23, Kinshasa - contrariamente às declarações anteriores - é agora favorável à sua permanência no leste do Congo, pelo menos temporariamente.

Tropas da MONUSCO não defenderam Goma

É exatamente isso que Martin Kobler exige agora, numa entrevista à DW. O antigo diplomata alemão chefiou a missão das Nações Unidas no Congo entre 2013 e 2015 e culpa a decisão do Conselho de Segurança da ONU de retirar gradualmente a MONUSCO pelo desastre da semana passada, quando o M23 conseguiu tomar Goma. "Nova Iorque tem uma grande parte do fracasso e da culpa", diz Kobler - e exige: "Acredito claramente que esta decisão de retirada deve ser revertida".

No entanto, os capacetes azuis, que ainda estão no terreno com cerca de 10.000 soldados, incluindo uma brigada de intervenção de 3.000 homens com um mandato robusto, deveriam ter intervindo, diz Kobler. Em 2013, formaram um anel em torno de Goma, juntamente com as tropas congolesas, recorda: "Na altura, funcionou. E também teria funcionado desta vez, se tivesse sido tomada a decisão política de adotar uma abordagem realmente robusta".

Tambémo ponto de vista de Kinshasa, os resultados da missão de manutenção da paz da MONUSCO também ficaram muito aquém das expectativas.

Tim Glawion, especialista em política de segurança internacional, esperava uma defesa mais forte em Goma.

"O Governo congolês viu que o M23 estava a levantar uma rebelião e esperava que os soldados da MONUSCO ficassem em Goma e que os rebeldes não se atrevessem a tomar a capital Goma. E se os rebeldes se atrevessem a atacar Goma, as tropas protegeriam a capital. Mas isso não aconteceu", descreve.

Segundo Glawion, que publicou recentemente um artigo sobre intervenções militares em zonas de crise, baseado em anos de investigação, as expectativas da população, mas também do Governo de Kinshasa, foram mais uma vez defraudadas.

"Quando as pessoas vivem em zonas onde os grupos rebeldes estão a causar violência, esperam que as missões de manutenção da paz da ONU intervenham. E se estas não conseguirem proteger as pessoas das milícias armadas, as pessoas ficam frustradas e começam a questionar ou mesmo a protestar contra estas missões", pondera.

"Nesse caso, os governos dos países em causa tendem a substituir os capacetes azuis por mercenários privados vindos do estrangeiro, ou seja, a procurar outras soluções mais eficazes para o problema", afirma o especialista.

Foi o que aconteceu no Mali e na República Centro-Africana, onde mercenários russos foram contratados pelo Grupo Wagner.

RDC: Mercenários da Romênia

A República Democrática do Congo também contratou mercenários do estrangeiro: cerca de 300 mercenários romenos terão estado presentes no leste do Congo até há pouco tempo.

Os romenos pertenciam ao grupo de mercenários de Horațiu Potra, um empresário que também fornece guarda-costas ao candidato presidencial romeno de direita Călin Georgescu. No Congo, foram contratados por uma empresa de segurança local chamada “Congo Protection” para combater o M23, apoiado pelo Ruanda. Sem sucesso, como se verifica agora. Desde quinta-feira (30.01), o Ministério dos Negócios Estrangeiros romeno está a organizar a evacuação dos mercenários de Goma, via Kigali, para Bucareste.

Mercenários mais eficazes?

Tim Glawion é de opinião que os mercenários não são, por si só, mais eficazes do que os capacetes azuis na luta contra os grupos armados.

"No Mali e na República Centro-Africana, os mercenários russos atacaram inicialmente os grupos rebeldes. Portanto, fizeram o que a população queria. Os mercenários russos foram inicialmente recebidos com entusiasmo, mas duvido que esse entusiasmo perdure, porque os mercenários russos cometeram atrocidades terríveis contra a população. Os rebeldes que eles inicialmente expulsaram estão agora a retomar cidades no Mali e na República Centro-Africana, por isso não foi uma solução a longo prazo", relata.

Ao contrário da maior parte das tropas mercenárias, a força de manutenção da paz da MONUSCO tem-se mantido quase sempre passiva ao longo dos anos e, nas últimas semanas, fez muito pouco para contrariar os rebeldes do M23. No entanto, os capacetes azuis no leste do Congo têm, de facto, um mandato "robusto": os soldados não só estão autorizados a defender-se, como também a tomar medidas ofensivas contra as milícias, a fim de garantir a paz.

Os críticos afirmam que os países envolvidos na missão deveriam ter interpretado o seu mandato de forma mais agressiva, para fazer recuar os grupos armados e proteger os civis. Isto foi criminosamente negligenciado.

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