CNN ouviu especialistas após Donald Trump confirmar que autorizou operações da CIA no país sul-americano
Tiago Tortella | CNN Brasil, em São Paulo
A tensão entre Estados Unidos e Venezuela ganhou mais um capítulo nesta semana, com a confirmação do presidente Donald Trump de que ele autorizou operações da CIA, a agência de inteligência americana, dentro do país sul-americano.
Trump justificou a ação citando o tráfico de drogas e alegando que há o envio de prisioneiros e pessoas em instituições psiquiátricas venezuelanas para os EUA. Não há indícios de que haja uma campanha deliberada de expulsão de ex-prisioneiros para território americano.
Nicolás Maduro, por sua vez, disse "não à guerra" e denunciou o que chamou de "golpes orquestrados pela CIA".
Ainda não está claro o que poderão ser essas ações da agência de inteligência dos EUA na Venezuela, mas o caso se soma aos ataques das Forças Armadas americanas contra barcos no Caribe que estariam ligados ao narcotráfico e o posicionamento de militares na região.
A CNN ouviu especialistas para entender as motivações do desentendimento entre as nações e quais podem ser os próximos passos.
Marcos Sorrilha, professor de história dos EUA na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), pontua que uma mudança no governo da Venezuela representaria uma oportunidade de negócios, tanto em relação ao petróleo quanto à abertura do mercado interno e exploração de outras matérias-primas, com instalação de indústrias americanas no país.
Além disso, ele pondera que há um aspecto ideológico, explicando que Trump toma como "modelo" para sua gestão o ex-presidente William McKinley.
"É o presidente que inaugura o imperialismo norte-americano na América Latina. Então ali já havia um anúncio de que o governo Trump seria mais intervencionista na questão da América Latina, até porque ele parte de uma leitura de que o mundo está se reconfigurando", destaca.
"Desse ponto de vista, é uma perspectiva de defesa dos interesses americanos e de afastar possíveis interferências externas da região, uma vez que a Venezuela é porta de entrada tanto para a China quanto para a Rússia na visão do governo americano", adiciona.
Flavia Loss, professora de Relações Internacionais na Mauá, pontua que é difícil avaliar os reais interesses dos Estados Unidos, tendo em vista que o governo de Donald Trump é "extremamente midiático".
"[Trump] trata principalmente a sua política externa de uma forma de espetáculo e tenta sempre fazer com que a política externa tenha algumas ações que o validem como um homem forte, um grande homem da política", destaca.
Ainda assim, a especialista explica que a mudança de regime na Venezuela seria importante para os EUA
"A mudança de regime [na Venezuela] é interessante [para os EUA] para ter alguém que seja um aliado de Donald Trump aqui na América Latina, mais um aliado que se submeta também ao que Donald Trump quer", comenta.
Além disso, ele analisa que a empreitada de Trump na Venezuela é muito mais uma questão geopolítica, política e econômica.
De acordo com Sant'Anna, se opondo ao regime Maduro, o republicano espera colher o "dividendo político" internamente, pensando tanto nas eleições de meio de mandato do ano que vem quanto no pleito para o governo da Flórida, estado em que a questão é sensível e onde Marco Rubio, atual chanceler da Casa Branca, pode sair como candidato.
A Casa Branca disse nesta semana que Donald Trump considera Nicolás Maduro um "presidente ilegítimo". Dessa maneira, e com o embate crescente, o analista da CNN pondera que o líder americano tenta atribuir o estigma de autoritarismo à esquerda -- relembrando também as acusações de tentativa de golpe devido ao ataque de apoiadores ao Capitólio em 2021.
"A prioridade é se colocar como defensor da liberdade, democracia e limpar a biografia dele", pontua Sant'Anna, adicionando que o líder dos EUA quer atribuir à esquerda os estigmas de regime autoritário.
Marcos Sorrilha também vê as ações de Trump na Venezuela como uma tentativa de ganho político interno -- tendo em vista que Maduro é associado ao comunismo e é mal visto pelo público nos EUA, inclusive por democratas. Além disso, o professor chama atenção para a possibilidade de ganho pessoal.
"Me parece que há, por parte do Trump, uma leitura de como a questão da Venezuela é importante e que isso tem a ver sobre como uma solução da questão do Maduro na região o credenciaria também ao recebimento do Prêmio Nobel", diz.
A Casa Branca criticou a atual ganhadora do Nobel da Paz, María Corina Machado, líder da oposição venezuelana. De toda forma, ela conversou com Trump e dedicou o prêmio a ele.
"A María Corina ofereceu mais pra ele [Trump]. Quando ela acena para ele [e diz] 'olha, se eu pudesse, eu te dava o meu Prêmio Nobel', você não só mexe com o ego dele, mas é um cartão de visitas de 'olha me ajuda a terminar aqui o que eu quero fazer que eu te entrego o que você quer'", adiciona Sorrilha.
Flavia Loss afirmou que há essa possibilidade, tendo em vista outras operações secretas da CIA em território latino-americano e em outros lugares do mundo, citando também o apoio americano a outros golpes de Estado na região durante a Guerra Fria, como no Chile, Argentina e no próprio Brasil.
Ainda assim, pondera que uma intervenção poderia virar "um lamaçal" e ser muito custosa para os EUA, tendo como exemplo as guerras no Iraque e no Afeganistão -- onde mesmo quase vinte anos depois, com a retirada americana, houve um processo violento e caro para retirada das tropas do país.
Marcos Sorrilha também compartilha a visão de que uma ação militar é possível: "Acho que estamos perto de ver uma intervenção direta dos Estados Unidos na Venezuela".
O professor ressalta ainda que a falta de união da América Latina em torno do assunto também fragiliza a segurança na região contra possíveis empreitadas do tipo.
"Nós não temos uma coalizão. Não existe uma voz uníssona. Nem os organismos multilaterais latino-americanos conseguem produzir uma nota de repúdio em conjunto, até porque os dois principais países da América Latina divergem sobre o assunto", comentou Sorrilha, citando Brasil e Argentina.
Lourival Sant'Anna por sua vez, não vê como provável uma intervenção militar dos EUA na Venezuela, ressaltando novamente que Trump tenta fazer essa mudança de regime com "baixo custo" e adesão das Forças Armadas do país sul-americano.
"Você não anuncia operação secreta. Da mesma maneira, a operação dos Estados Unidos contra barcos são pequenas. Se realmente quisesse investir os recursos para a CIA e Forças Armadas americanas para derrubar o regime, não ficaria falando sobre isso", comenta.
Por fim, Sant'Anna avalia que, com ou sem intervenção, a campanha americana é arriscada, porque, se não der certo, pode reforçar o regime de Nicolás Maduro, "confirmando" a tese do regime de que ele está defendendo a soberania da Venezuela contra o imperialismo dos Estados Unidos.
Tiago Tortella | CNN Brasil, em São Paulo
A tensão entre Estados Unidos e Venezuela ganhou mais um capítulo nesta semana, com a confirmação do presidente Donald Trump de que ele autorizou operações da CIA, a agência de inteligência americana, dentro do país sul-americano.
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Donald Trump e Nicolás Maduro • REUTERS/Maxwell Briceno REUTERS/Kent Nishimura |
Trump justificou a ação citando o tráfico de drogas e alegando que há o envio de prisioneiros e pessoas em instituições psiquiátricas venezuelanas para os EUA. Não há indícios de que haja uma campanha deliberada de expulsão de ex-prisioneiros para território americano.
Nicolás Maduro, por sua vez, disse "não à guerra" e denunciou o que chamou de "golpes orquestrados pela CIA".
Ainda não está claro o que poderão ser essas ações da agência de inteligência dos EUA na Venezuela, mas o caso se soma aos ataques das Forças Armadas americanas contra barcos no Caribe que estariam ligados ao narcotráfico e o posicionamento de militares na região.
A CNN ouviu especialistas para entender as motivações do desentendimento entre as nações e quais podem ser os próximos passos.
Afinal, o que os Estados Unidos querem na Venezuela?
Em entrevista à reportagem, especialistas avaliam que Donald Trump pode estar interessado, sim, em uma mudança de regime na Venezuela.Marcos Sorrilha, professor de história dos EUA na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), pontua que uma mudança no governo da Venezuela representaria uma oportunidade de negócios, tanto em relação ao petróleo quanto à abertura do mercado interno e exploração de outras matérias-primas, com instalação de indústrias americanas no país.
Além disso, ele pondera que há um aspecto ideológico, explicando que Trump toma como "modelo" para sua gestão o ex-presidente William McKinley.
"É o presidente que inaugura o imperialismo norte-americano na América Latina. Então ali já havia um anúncio de que o governo Trump seria mais intervencionista na questão da América Latina, até porque ele parte de uma leitura de que o mundo está se reconfigurando", destaca.
"Desse ponto de vista, é uma perspectiva de defesa dos interesses americanos e de afastar possíveis interferências externas da região, uma vez que a Venezuela é porta de entrada tanto para a China quanto para a Rússia na visão do governo americano", adiciona.
Flavia Loss, professora de Relações Internacionais na Mauá, pontua que é difícil avaliar os reais interesses dos Estados Unidos, tendo em vista que o governo de Donald Trump é "extremamente midiático".
"[Trump] trata principalmente a sua política externa de uma forma de espetáculo e tenta sempre fazer com que a política externa tenha algumas ações que o validem como um homem forte, um grande homem da política", destaca.
Ainda assim, a especialista explica que a mudança de regime na Venezuela seria importante para os EUA
"A mudança de regime [na Venezuela] é interessante [para os EUA] para ter alguém que seja um aliado de Donald Trump aqui na América Latina, mais um aliado que se submeta também ao que Donald Trump quer", comenta.
Trump quer "limpar a biografia"
Lourival Sant'Anna, analista de Internacional da CNN, também entende que Donald Trump deseja a alteração no comando do regime venezuelano, mas quer isso com "custo baixo", fazendo o máximo de pressão no chamado campo informacional, com as ameaças de intervenção militar e operações da CIA.Além disso, ele analisa que a empreitada de Trump na Venezuela é muito mais uma questão geopolítica, política e econômica.
De acordo com Sant'Anna, se opondo ao regime Maduro, o republicano espera colher o "dividendo político" internamente, pensando tanto nas eleições de meio de mandato do ano que vem quanto no pleito para o governo da Flórida, estado em que a questão é sensível e onde Marco Rubio, atual chanceler da Casa Branca, pode sair como candidato.
A Casa Branca disse nesta semana que Donald Trump considera Nicolás Maduro um "presidente ilegítimo". Dessa maneira, e com o embate crescente, o analista da CNN pondera que o líder americano tenta atribuir o estigma de autoritarismo à esquerda -- relembrando também as acusações de tentativa de golpe devido ao ataque de apoiadores ao Capitólio em 2021.
"A prioridade é se colocar como defensor da liberdade, democracia e limpar a biografia dele", pontua Sant'Anna, adicionando que o líder dos EUA quer atribuir à esquerda os estigmas de regime autoritário.
Marcos Sorrilha também vê as ações de Trump na Venezuela como uma tentativa de ganho político interno -- tendo em vista que Maduro é associado ao comunismo e é mal visto pelo público nos EUA, inclusive por democratas. Além disso, o professor chama atenção para a possibilidade de ganho pessoal.
"Me parece que há, por parte do Trump, uma leitura de como a questão da Venezuela é importante e que isso tem a ver sobre como uma solução da questão do Maduro na região o credenciaria também ao recebimento do Prêmio Nobel", diz.
A Casa Branca criticou a atual ganhadora do Nobel da Paz, María Corina Machado, líder da oposição venezuelana. De toda forma, ela conversou com Trump e dedicou o prêmio a ele.
"A María Corina ofereceu mais pra ele [Trump]. Quando ela acena para ele [e diz] 'olha, se eu pudesse, eu te dava o meu Prêmio Nobel', você não só mexe com o ego dele, mas é um cartão de visitas de 'olha me ajuda a terminar aqui o que eu quero fazer que eu te entrego o que você quer'", adiciona Sorrilha.
Existe possibilidade de intervenção?
De toda forma, os especialistas consultados pela reportagem divergiram sobre a possibilidade real de uma intervenção militar dos Estados Unidos na Venezuela.Flavia Loss afirmou que há essa possibilidade, tendo em vista outras operações secretas da CIA em território latino-americano e em outros lugares do mundo, citando também o apoio americano a outros golpes de Estado na região durante a Guerra Fria, como no Chile, Argentina e no próprio Brasil.
Ainda assim, pondera que uma intervenção poderia virar "um lamaçal" e ser muito custosa para os EUA, tendo como exemplo as guerras no Iraque e no Afeganistão -- onde mesmo quase vinte anos depois, com a retirada americana, houve um processo violento e caro para retirada das tropas do país.
Marcos Sorrilha também compartilha a visão de que uma ação militar é possível: "Acho que estamos perto de ver uma intervenção direta dos Estados Unidos na Venezuela".
O professor ressalta ainda que a falta de união da América Latina em torno do assunto também fragiliza a segurança na região contra possíveis empreitadas do tipo.
"Nós não temos uma coalizão. Não existe uma voz uníssona. Nem os organismos multilaterais latino-americanos conseguem produzir uma nota de repúdio em conjunto, até porque os dois principais países da América Latina divergem sobre o assunto", comentou Sorrilha, citando Brasil e Argentina.
Lourival Sant'Anna por sua vez, não vê como provável uma intervenção militar dos EUA na Venezuela, ressaltando novamente que Trump tenta fazer essa mudança de regime com "baixo custo" e adesão das Forças Armadas do país sul-americano.
"Você não anuncia operação secreta. Da mesma maneira, a operação dos Estados Unidos contra barcos são pequenas. Se realmente quisesse investir os recursos para a CIA e Forças Armadas americanas para derrubar o regime, não ficaria falando sobre isso", comenta.
Por fim, Sant'Anna avalia que, com ou sem intervenção, a campanha americana é arriscada, porque, se não der certo, pode reforçar o regime de Nicolás Maduro, "confirmando" a tese do regime de que ele está defendendo a soberania da Venezuela contra o imperialismo dos Estados Unidos.
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