"Não há solução militar para a Síria", diz Pinheiro

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Diplomata brasileiro que preside comissão da ONU para o conflito sírio afirma, em entrevista à DW Brasil, que saída para a crise é diplomática e que acordo entre Rússia e EUA aumentou chances de uma paz negociada.

Deutsch Welle


O diplomata carioca Paulo Sérgio Pinheiro evita comparar a crise na Síria com qualquer outra no passado, como a no Iraque – pela questão das armas químicas – ou a em Ruanda – pelo drama dos refugiados. Mas, à frente da comissão de inquérito da ONU que investiga os crimes contra os direitos humanos no país, é categórico ao afirmar: não há solução militar para o conflito.

Em entrevista por telefone à DW Brasil, Pinheiro diz ter esperança de que o acordo entre Rússia e EUA para controle de armas químicas sírias seja o começo de uma nova fase, pautada não pela intervenção militar, mas pela negociação e com uma participação ativa do Conselho de Segurança da ONU.

"Estamos numa situação muito melhor do que há alguns dias", afirma.

DW: A Síria concordou em destruir suas armas químicas. Mas a guerra continua. O senhor acha que o sofrimento do povo sírio tende a acabar mais cedo após isso?

Paulo Sérgio Pinheiro: Considero esse acordo extremamente importante. Doze dias atrás, estávamos discutindo quando e onde os ataques aéreos iriam acontecer. Após este fim de semana, esse risco pertence ao passado. E a Síria, que sequer queria reconhecer que possui um estoque de armas químicas, admitiu a sua existência e pediu para aderir à Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas. E depois de 14 de outubro, o país se tornará um membro deste tratado.

Por outro lado, a guerra com armas convencionais continua. O que esperamos é que o acordo seja uma espécie de transição para uma fase de negociação, o início de uma negociação política para acabar com a guerra. Isso vai levar algum tempo. Mas hoje estamos numa situação muito melhor do que há alguns dias.

Que outros fatores, além do acordo sobre armas químicas, devem ser considerados, visando acabar com a guerra?

Em primeiro lugar, não há solução militar para a crise. É uma ilusão pensar que o governo ou os grupos rebeldes conseguirão vencer. Por isso, é muito importante que se pare o fornecimento de armas a qualquer uma das partes.

Se você quiser continuar com essa guerra, a melhor receita é dar recursos e entregar armas para todas as partes. Nós dizemos isso muito claramente. Isso é inaceitável, porque estas armas servirão para cometer crimes de guerra, violações dos direitos humanos, para matar mais sírios, para provocar mais refugiados, mais pessoas deslocadas. A única maneira de se parar com isso é a negociação.

Também é muito importante que os países influentes na região construam alguma confiança em torno de si, para seguir o exemplo da Rússia e dos EUA, porque parecem longes um do outro.

É verdade que a Rússia e os EUA concordaram que a destruição de armas químicas na Síria pode ser reforçada por uma ação militar, caso o governo sírio não apresente resultados? Será que o Conselho de Segurança decidirá sobre isso?

O uso da força precisa ser autorizado pelo Conselho de Segurança. Mas essa é uma discussão entre os Estados, não é o meu negócio. É uma discussão entre o Conselho de Segurança e seus cinco membros permanentes.

A principal questão política sobre quem usou as armas químicas, governo ou rebeldes, ainda não foi respondida. Quando essa resposta vai aparecer?

Eu mal terminei de ler o relatório completo. Eu li informações de que sarin foi bastante usado, mas nenhuma indicação sobre quem são os autores. Seria muito irresponsável dizer alguma coisa sobre isso.

A Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria tem o mandato [para investigar isso]. E estamos pedindo para irmos à Síria cumprir nosso mandato. Nos próximos relatórios, necessariamente haverá algo sobre quem foram os autores. Vamos dizer algo antes do fim do ano.

No Iraque, a destruição de armas químicas demorou mais de dez anos. O que faz o senhor ser tão otimista a ponto de dizer que é viável se destruir as armas químicas da Síria dentro de um ano?

Não podemos comparar as duas situações. A Síria, como Estado, é muito mais importante historicamente do que o Iraque. E o equilíbrio de forças no mundo mudou muito. Não acredito que o desastre ocorrido no Iraque acontecerá também na Síria. O que vejo é que já existe uma nova dinâmica após o acordo entre a Federação Russa e os Estados Unidos.

Esse acordo seria um sinal de que o papel dos EUA como um "polícia do mundo" chegou a um fim?

Eu não trabalho com essa noção de que os EUA são a polícia do mundo. Todos os membros permanentes do Conselho de Segurança têm grandes responsabilidades. Creio que o presidente Obama mostrou ser um grande estadista, e o presidente Putin também.

Política internacional não é um jogo de futebol. É ótimo poder prevenir uma escalada militar. Acho que todo mundo ganhou. Claro que um dia precisamos de uma reforma do Conselho de Segurança, como pedem muitos países. Mas, por enquanto, a realidade é que temos cinco membros permanentes. E é ótimo que os Estados Unidos e a Federação Russa tenham conseguido chegar a um acordo.

É possível que o trauma do genocídio em Ruanda, em 1994, tenha contribuído para aumentar a "responsabilidade de proteger" da ONU?

O alto comissário para refugiados, António Guterres, por quem tenho uma grande admiração, afirmou que o fluxo de refugiados da Síria no mês passado foi semelhante ao de Ruanda. Mas a situação é muito diferente. Mesmo que tenhamos uma guerra horrível, não acho que haja um genocídio em curso na Síria.

É muito complicado comparar situações em diferentes contextos. E mesmo para se ter a responsabilidade de proteger, de usar a força, é preciso a autorização do Conselho de Segurança. Acho que depois dessa terrível crise que assistimos há alguns dias, houve um choque de reconhecimento a respeito da guerra na Síria.



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