Alemanha se distancia de aliados e reitera que não reconhecerá Palestina

Posição é motivada por 'responsabilidade histórica' com relação a Israel; sociedade civil pressiona governo Merz


Aurelie von Blazekovic | Folha de S.Paulo

São Paulo - Três quartos dos 193 Estados-membros da ONU já reconhecem o Estado da Palestina, incluindo o Brasil. Na última semana, aliados importantes de Israel, como Reino Unido, França e Canadá manifestaram disposição de seguir o mesmo caminho, caso a crise humanitária na Faixa de Gaza não melhore.

O ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Johann Wadephul, participa de entrevista coletiva ao lado de seu homólogo francês, Jean-Noël Barrot, em Paris, na França - Abdul Saboor - 18.jul.25/Reuters

Outros países europeus também decidiram pelo reconhecimento em protesto contra a condução da guerra pelo governo de Binyamin Netanyahu: Portugal, Espanha, Noruega e Eslovênia passaram a reconhecer a Palestina nas últimas semanas. Mas o país mais populoso e principal economia da Europa, a Alemanha, não planeja fazer o mesmo.

"A Alemanha tem uma posição diferente", afirmou o ministro alemão das Relações Exteriores, Johann Wadephul, em um comunicado após uma visita a Jerusalém no fim de semana. O país mantém seu compromisso com uma solução de dois Estados, que, segundo ele, "é o único caminho que permite às pessoas de ambos os lados viverem em paz, segurança e dignidade". O reconhecimento de um Estado palestino, para o governo alemão, só deve ocorrer ao final de um processo de negociação, que, nas palavras de Wadephul, precisa começar em breve.

A posição alemã se apoia em uma responsabilidade histórica com Israel, resultado direto do Holocausto cometido pela Alemanha nazista. "A Alemanha tem uma responsabilidade especial com relação a Israel", disse o ministro. "Mas a situação dramaticamente agravada em Gaza não pode e não vai deixar a Alemanha indiferente."

Em visita recente a Jerusalém, o chefe da diplomacia alemã alertou que Israel corre o risco de se isolar na comunidade internacional. Esse alerta foi feito em um momento em que cresce a pressão para que Berlim adote uma postura mais dura frente ao governo Netanyahu — e não só vindo do exterior: há também resistência dentro da coalizão do governo alemão, formada pelo partido de centro-direita CDU e a sigla de centro-esquerda SPD.

Além disso, no fim de julho, mais de 200 artistas alemães, entre eles atores e músicos famosos, dirigiram-se ao primeiro-ministro, Friedrich Merz, em uma carta aberta. O título dizia: "Não deixe Gaza morrer, sr. Merz."

"Na opinião pública alemã, houve uma mudança perceptível nas últimas semanas", afirma à Folha Meron Mendel, diretor do Centro Educacional Anne Frank e professor da Universidade de Frankfurt. "A pressão sobre o governo aumenta para que ele seja mais firme com Netanyahu."

Mesmo assim, segundo Mendel, "não surpreende que a Alemanha — ao lado dos EUA — continue tratando o governo israelense com cautela, sem impor consequências políticas até agora." A atual política externa do governo de Merz, segundo ele, segue fiel à doutrina formulada por Angela Merkel: "a segurança de Israel é razão de Estado para a Alemanha."

A expressão "razão de Estado" tem marcado a relação da Alemanha com Israel no debate público do país europeu nos últimos anos. A ex-primeira-ministra Angela Merkel cunhou o termo ("Staatsräson", em alemão) que foi reafirmado por Olaf Scholz após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023.

Esse compromisso reflete uma obrigação moral da Alemanha com Israel — país onde judeus sobreviventes do Holocausto, cometido pela Alemanha nazista, encontraram refúgio. Mas também crescem na Alemanha as críticas de que o país não pode ignorar a crise humanitária em Gaza nem ignorar um governo israelense de ultradireita que ameaça anexar a Cisjordânia e que, segundo relatos atuais, fala em ocupar toda a Faixa de Gaza.

Wadephul reconhece o dilema. "Estamos em uma fase decisiva, na qual a Alemanha precisa se posicionar", disse ele depois da reunião com Netanyahu. "Vim aqui como representante de um país com uma obrigação histórica que não termina, com a segurança do único Estado judeu, e que ao mesmo tempo está ligado a Israel pelos laços humanos mais estreitos", afirmou.

A Alemanha está "firmemente ao lado de Israel, com o objetivo de finalmente libertar os reféns". Mas o governo israelense, continua ele, tem que permitir ajuda humanitária e médica suficiente para evitar uma catástrofe por fome em Gaza.

A opinião do governo alemão é a de que Berlim está em uma posição única para influenciar Israel. Meron Mendel acredita: "Se as fortes relações com Israel realmente levarem Netanyahu a levar a sério as preocupações de Berlim e a encerrar a guerra, seria uma estratégia válida." Mas ele se mantém cético: "A experiência mostra que, com Netanyahu e seus parceiros de extrema direita, palavras não bastam."

Para Mendel, é essencial que a Alemanha atue em conjunto com outras democracias ocidentais para que a pressão seja coordenada. O ministro das Relações Exteriores da Alemanha acredita ter conseguido transmitir que Israel precisa urgentemente permitir ajuda humanitária a Gaza. "Tenho a impressão de que isso começa a ser compreendido", disse Wadephul ao final da visita.
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