Na ONU, Lula critica duramente sanções dos EUA e conduta de Israel

Em discurso na Assembleia Geral da ONU, presidente denuncia "ataques à soberania" do Brasil e sanções dos EUA, além de classificar ações de Israel em Gaza como "genocídio".


Jean-Philip Struck | Deutsch Welle

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou seu discurso de abertura da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas nesta terça-feira (23/09), para criticar duramente o que chamou de "ataques à soberania" brasileira, numa fala direcionada ao governo dos Estados Unidos. O discurso ainda incluiu críticas a Israel.

Na ONU, Lula critica duramente sanções dos EUA e conduta de Israel © Timothy A. Clary/AFP

"Nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis. Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela", disse Lula, sob aplausos dos presentes na reunião na sede da ONU, em Nova York.

Pouco antes, Lula denunciou o que chamou de “política do poder", que vem tomando o lugar do multilateralismo.

"Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder. Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando regra. Existe um evidente paralelo entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia", disse.

Enquanto os discursos anteriores de Lula na ONU, em 2023 e 2024, focaram na mudança de rumo da diplomacia brasileira, que voltou a favorecer multilateralismo após os quatro anos de isolacionismo do governo Jair Bolsonaro, a fala do presidente em 2025 teve como destaque recados aos EUA e Israel.

A fala de Lula neste ano ocorre em um momento particularmente tenso para a diplomacia brasileira. A viagem de Lula a Nova York é a primeira aos EUA desde que a Casa Branca sob Donald Trump impôs um tarifaço punitivo a exportações brasileiras e sanções a membros do governo e do Supremo Tribunal Federal (STF), em retaliação ao processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro na esteira de uma tentativa de golpe.

Lula abordou diretamente as sanções e as tentativas de interferência no Judiciário brasileiro, mas sem mencionar nominalmente os EUA ou Bolsonaro, embora o recado tenha sido claro.

"Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra as nossas instituições e nossa economia. A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável. Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade", disse Lula.

"Há poucos dias, e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. (...) Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas. Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis", disse Lula.

Historicamente, cabe ao Brasil abrir os discursos na sessão plenária da Assembleia Geral. Na sequência, o próximo a discursar é o ocupante da Presidência dos EUA. Dessa forma, essa foi a primeira vez que Lula e Donald Trump estiveram no mesmo ambiente desde o início da tensão entre Washington e Brasília. Lula discursou após a presidente da Assembleia Geral, a ex-ministra do Exterior alemã Annalena Baerbock, e o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

Situação do Oriente Médio e críticas a Israel

Lula ainda abordou o conflito no Oriente Médio, incluindo a guerra entre o Hamas e Israel em Gaza. Assim como já havia feito em 2023, ele criticou a conduta israelense na região, chamando as ações de "genocídio" e alertando que a população palestina "corre o risco de desaparecer".

"Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo. Mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza", disse Lula.

"Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo. Em Gaza a fome é usada como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações é praticado impunemente. Expresso minha admiração aos judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem a essa punição coletiva. O povo palestino corre o risco de desaparecer. Só sobreviverá com um Estado independente e integrado à comunidade internacional", completou Lula.

No momento, as relações entre Israel e Brasil também têm sido marcadas por tensão. Israel declarou Lula persona non grata e rebaixou as relações diplomáticas com o Brasil, após intensas críticas do governo brasileiro sobre Gaza. O Brasil também se uniu a África do Sul na ação que acusa Israel de genocídio nas ações militares no território palestino.

Lula também criticou a ausência da liderança palestina na Assembleia Geral da ONU, lamentando que os EUA tenham negado vistos para que representantes dos territórios palestinos comparecessem à reunião.

Regulação de redes

Lula também abordou o tema da regulação das redes, como havia feito nos discursos de 2023 e 2024.

"As plataformas digitais trazem possibilidades de nos aproximar como jamais havíamos imaginado. Mas têm sido usadas para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação. A internet não pode ser uma ‘terra sem lei’. Cabe ao poder público proteger os mais vulneráveis. Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual", disse Lula.

"Ataques à regulação servem para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes, como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia”, prosseguiu Lula

Lula também mencionou que seu governo enviou ao Congresso Nacional projetos de lei para fomentar a concorrência nos mercados digitais e incentivar a instalação de datacenters sustentáveis.

"Para mitigar os riscos da inteligência artificial, apostamos na construção de uma governança multilateral em linha com o Pacto Digital Global aprovado neste plenário no ano passado", disse.

Guerra da Ucrânia

Lula também abordou a guerra de agressão que a Rússia trava contra a Ucrânia, que já se estende há mais de três anos e reiterou uma proposta de mediação;

"No conflito na Ucrânia, todos já sabemos que não haverá solução militar", disse Lula. Na sequência, Lula fez um aceno tanto a Trump quanto o líder russo Vladimir Putin, que recentemente se reuniram no estado americano do Alasca.

"O recente encontro no Alasca despertou a esperança de uma saída negociada. É preciso pavimentar caminhos para uma solução realista. Isso implica levar em conta as legítimas preocupações de segurança de todas as partes. A Iniciativa Africana e o Grupo de Amigos da Paz, criado por China e Brasil, podem contribuir para promover o diálogo", disse Lula.

Postagem Anterior Próxima Postagem

نموذج الاتصال